A Aurora de um Novo Mundo:

Carlos Magno e O Renascimento Carolíngio

por Arthur Santos Cardoso



Foi em meio ao caos, sob o comando de um imperador coroado pela Igreja, que o renascimento de uma civilização verdadeiramente cristã tenha nascido. Como diria Chesterton, às vezes é nas horas mais escuras que a luz divina brilha com mais intensidade, e o Renascimento Carolíngio foi exatamente isso: a aurora de um novo mundo...



O mundo moderno tenta nos convencer de que a chamada ‘idade das trevas’ foi a dita idade média, que também já é por si um termo pejorativo. Porém, quando estudamos esse período, vemos que foi na verdade a Idade da Luz, A Cristandade. O termo “idade das trevas” seria muito mais bem aplicado para designar o período que chamam iluminismo. Exatamente, os nomes estão trocados, isso é reflexo de uma idade moderna que inverteu seus valores e caiu no materialismo e o no niilismo. De fato, podemos dizer que houve um período de trevas, mesmo antes do séc. XVIII, mas não na cristandade medieval, e sim no período entre a queda do Império Romano do Ocidente e da Coroação de Carlos Magno como imperador da Europa.

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Roma caíra, a civilização estava em ruínas, o ocidente em chamas, se iniciava um verdadeiro período de trevas. Contudo, para o homem comum, a verdadeira treva é a de um espírito que se recusa a enxergar a luz que brilhou em meio ao que parecia ser escuridão. O Renascimento Carolíngio é essa luz, um farol que reluz em meio a um mundo que, supostamente, havia perdido seu caminho. O Ocidente haveria então de ressuscitar, assim como seu Criador, e esse processo se iniciaria com a Santa Igreja, o baluarte da sanidade ocidental. Não mais como a Roma antiga, mas como uma renovação intelectual e artística única, um mundo novo. Foram nos monastérios que a literatura, a história e a filosofias da idade antiga ficaram salvas. Porém não bastava apenas renascer a civilização romana, pois pagã como era, não era perfeita. Era necessário criar um mundo novo. Batizar o paganismo. Esse batismo se deu ao longo de séculos, e teria sua grande conclusão nos sécs. VIII e IX com o renascimento carolíngio. A cristandade renasce! Como ensinou Santo Agostinho, grande idealizador da cristandade medieval, há duas cidades, a dos homens e a de Deus, e essa Cidade dos Homens estava mais do que nunca visto antes próxima da Cidade de Deus.

Estamos então entres os séculos VIII e IX, e a grande figura que tomará a frente nesse renascimento é Carlos Magno. O grande general e imperador franco, conhecido por sua fúria nos campos de batalha e suas estratégias militares. Porém não apenas da espada vivia ele e seu império, no livro de James Mollinger, Carlos Magno e a Restauração da Educação, é evidente que Carlos Magno não era apenas um homem de guerra, mas um visionário. Para ele, o Império Carolíngio não poderia prosperar apenas pela força das espadas, mas pela força das ideias. E como um novo Davi, seu objetivo não era apenas estabelecer um império terrestre, mas também restaurar a alma e a mente do Ocidente. A fundação do renascimento carolíngio estava na educação, que o próprio Carlos Magno tratava como o pilar central de seu reinado. Ele convocou os maiores eruditos de seu tempo e estabeleceu escolas e mosteiros que preservaram e transmitiram o conhecimento da antiguidade, resgatando textos de Aristóteles, Platão e outros gigantes do pensamento clássico.

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Importante não é apenas reconhecer esse impulso pela educação, mas notar a conexão íntima entre esse renascimento e a Igreja Católica. Como Thomas Woods elucida em seu livro Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental, a Igreja era, na verdade, a grande guardiã da sabedoria antiga. Sem a Igreja, o tesouro intelectual da humanidade teria se perdido em meio ao caos das invasões bárbaras. Carlos Magno, como o primeiro Imperador do Ocidente em séculos, e o primeiro da Cristandade, percebeu essa verdade. Ele sabia que o império romano havia caído porque era apenas um império físico, enquanto o poder da Igreja, como entidade espiritual e moral, transcende reinos e destrona até a própria morte.

Diferentemente dos renascimentos futuros, como o da Renascença dos séculos XV e XVI, o Renascimento Carolíngio não olhava para o passado com nostalgia, buscando imitar os antigos gregos e romanos. Ele olhava para o passado como um ponto de partida para algo maior. Na mente de Carlos Magno e de seus eruditos, o conhecimento dos antigos deveria ser colocado a serviço de algo mais elevado: a construção de uma civilização cristã, onde a fé e a razão não apenas coexistiam, mas se completavam. Essa nova civilização deveria ser o alicerce de uma Europa onde o aprendizado servisse à virtude, onde o poder temporal estivesse ao serviço do eterno.

O Renascimento Carolíngio não foi um renascimento no sentido de uma simples recuperação do conhecimento perdido. Foi uma recriação; uma renovação intelectual e cultural que lançou as bases para o que mais tarde viria a ser a própria identidade europeia. Se a cultura greco-romana era uma casa magnífica cujos alicerces estavam rachados, Carlos Magno e seus sucessores não se limitaram a restaurar a velha morada, mas construíram uma nova sobre fundamentos sólidos – e esses fundamentos eram, sem dúvida, cristãos.

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O monge e teólogo Alcuíno de York, convocado por Carlos Magno para liderar essa empreitada educativa, resumiu bem esse espírito ao colocar o estudo da retórica, lógica e gramática em paralelo com a teologia e a exegese bíblica. Para Alcuíno e seus contemporâneos, não havia conflito entre o saber humano e o divino. Na verdade, quanto mais o homem conhecesse o mundo ao seu redor, mais ele conheceria a Deus. Este era, afinal, o cerne da missão de Carlos Magno: restaurar a unidade perdida entre a sabedoria humana e a fé cristã, que Roma jamais havia conseguido consolidar.

O Renascimento Carolíngio, como descrito por Woods e Mollinger, não foi um retorno ao passado, mas uma preparação para o futuro. Foi a Igreja Católica, com sua visão de eternidade, e Carlos Magno, com sua força de vontade e seu poder temporal, que trouxeram ao Ocidente a luz da sabedoria antiga, iluminada pela chama da fé. Essa chama nunca se apagou, e o legado daquele período, ainda que muitas vezes esquecido, vive na própria estrutura da civilização ocidental.

Ao contrário do que se possa pensar, foi nas trevas aparentes de uma Europa desolada que uma nova aurora começou a brilhar. Foi em meio ao caos, sob o comando de um imperador coroado pela Igreja, que o renascimento de uma civilização verdadeiramente cristã tenha nascido. Às vezes é nas horas mais escuras que a luz divina brilha com mais intensidade, e o Renascimento Carolíngio foi exatamente isso: a aurora de um novo mundo.


Arthur Santos Cardoso, 23 de Setembro de 2024.




Referências:

- Mollinger, James. Carlos Magno e a Restauração da Educação. Traduzido por José Maria Gomes. Editora Eccleasiae, 2010.

- Woods, Thomas E. Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. Traduzido por Regina Caldas. Quadrante, 2008.